quarta-feira, 11 de janeiro de 2012

Nove Olhares e Uma Vitrine I

Vou propôr aos amigos leitores, nesse espaço, uma pequena brincadeira. Serão postadas 9 crônicas sobre uma mesma imagem, nessa série, e, ao final dela, postadas as 9 crônicas, mostro a vocês a imagem que as inspirou. Vamos pôr a nossa imaginação para funcionar, então? Segue, a primeira crônica.


O Novo Sempre Vem


               A cena é a mesma e se repete várias vezes durante qualquer espaço de tempo, em qualquer lugar por onde você ou eu já passamos. A moça apressada com a bagagem de mão está no aeroporto desconsolada. Ela tem um bilhete de embarque e o avião aguarda seus passageiros. Apenas um detalhe impede a beleza de rosto delicado e movimentos afoitos de decolar neste avião. O horário de embarque registrado no bilhete diz que ela deveria ter decolado há uma hora. E por causa de um detalhe, um pequeno detalhe, quase imperceptível a todos os observadores, ela não pôde fazê-lo. Ninguém sabe ao certo, se foi aquele semáforo que demorou demais para sinalizar a cor verde e determinar que o táxi amarelo seguisse rumo ao aeroporto. Nem se foi o fato de ela ter retornado da recepção do hotel para o apartamento a fim de resgatar a agenda esquecida. Ninguém sabe se foi porque choveu naquela manhã e ela não pôde dar a caminhada matinal, atendo-se à esteira e tendo que parar por segundos para desligá-la após o exercício. O certo é que algo quase imperceptível mudou todo o rumo da história...

               É assim com atropelamentos, ônibus perdidos, laços rompidos. Existe um tempo certo e um lugar certo para tudo. O avião precisa dos passageiros para decolar. A moça precisa decolar no avião. A moça e o avião estão ali. O que os impede? Um estranho jogo de tempo e espaço e tempo e espaço... Eternos desencontros... Eternas ausências... Todos os pares certos distribuídos em tempos e espaços errados. A vida é assim. Pessoas procuram emprego, empregadores procuram funcionários... Alguns são carentes de amor, de relacionamento, de colo, de cobertor, de amizade... Outros amam demais, desejam casamentos e filhos, alguém a quem acarinhar, a quem aquecer, com quem conversar sobre trivialidades e confissões... Por que, então, estão todos descontentes se um completa o anseio do outro? Pois é... O ponto de vista varia de acordo com a vista de cada ponto. Temos um problema muito sério. Nós amamos e dedicamos nossa necessidade a um objeto/pessoa determinado, além do específico, tudo é apenas um jogo de substituição. Como quando você vai preparar uma receita e não tem todos os ingredientes. Preenche-se uma lacuna, mas a situação, sentimento, canção, viagem, abraço, morte. Estes não podem ser os mesmos, sem as mesmas circunstâncias, sem o mesmo tempo e espaço.

               Ah... Se tivéssemos portais... Se pudéssemos viajar no tempo e fazer em pares tudo aquilo que se completa, mas não está no espaço certo, ou no tempo certo. Duas pessoas com os mesmos anseios já sentaram dos lados opostos de um mesmo banco de praça, em tempos diferentes, sentindo-se sozinhas. E se esse tempo diferente não fossem décadas? E se fossem apenas quinze minutos? E se esse tempo fosse a diferença entre esperar numa fila de banco ou utilizar o caixa eletrônico? E se esse tempo fosse a diferença entre um cigarro a mais que você fumou ou o fato de deixar de fumá-lo? Sabe... A escada está lá. O avião já passou? Ele ainda virá? O que te fez perder o avião certo? O fato de você correr demais contra o tempo, o relógio adiantado que te atrasou, a roupa na vitrine que te distraiu? Você atira todas as fichas nos dias que seguem acelerados, determinando o seu próprio ritmo, mas a vida... Ah... A vida é a tênue diferença entre um biscoito a mais que você comeu e um minuto a menos no relógio. É a diferença entre o número que está em seu bilhete de embarque e o que deveria estar para você poder decolar no avião imaginário que está a sua frente.

               A vida é uma viagem. Sem o bilhete certo, o avião certo e o destino certo, mesmo com avião, bilhete, passageiro e destino, nada acontece como você gostaria que acontecesse. O que também pode não ser de todo ruim. E se você muda o destino, ou se muda o avião, ou se compra outro bilhete pode estar descobrindo que o novo sempre vem. Porque a diferença entre o que viverá para sempre na memória e o esquecimento imediato está em um detalhe, um fragmento, um segundo do relógio, uma gota de chuva, um cumprimento na calçada, um papel de bala arremessado ao chão, uma flor de plástico, uma data esquecida, um degrau. Muitas vezes, tentamos embarcar quando não há aviões, e em outras deixamos o avião decolar e permanecemos aguardando embarque eternamente.

               Está na letra de Geraldo Vandré e está na vida: “Quem sabe faz a hora não espera acontecer”. Façamos a nossa hora. No teatro do tempo, toda falta de ação é uma omissão. Toda ausência de uma escolha já é a própria prisão. E todo esquecimento é a prova mais concreta de que nem sempre um degrau galgado é sinal de decolagem. Quem tem pressa, mas não tem destino, caminha perdido rumo ao nada.

2 comentários:

  1. Adorei, você tem um acervo infinito de ideias, escreve muito bem.

    ResponderExcluir
  2. Obrigada pela visita! Sinta-se em casa sempre. Grata também pela gentileza das palavras.

    Abraços, amigo!

    Darla Medeiros

    ResponderExcluir