domingo, 4 de março de 2012

Faz calor no que restou da tarde e do cansaço de mais um dia. O carro para, a porta se abre e minha face é um conjunto de músculos que se distraem e se contraem pela simples constatação daqueles olhos. De repente, tenho pernas que se envergonham da saia curta, da nudez que passava despercebida até o acidente daquele olhar. A maciez do banco encontra as pernas e a alça da bolsa sem querer toca-lhe o braço. É como um pequeno choque, a estranha sensação de que se a pele tocar-me a pele, a mente lerá a minha mente. Tem música pelo ar, tão oitentista quanto os meus pensamentos descompensados de trabalho e estudo... A dificuldade de concentrar meus sentidos, às vezes esbarra na competente visão periférica que te observa a tilintar os dedos em ritmo descompassado. Você ainda tem olhos de esfinge e a habitual indiferença, ausência, quase superioridade ao que se passa ao redor. Dedos nervosos e até descompassados, lábios ansiosos a mordiscar as extremidades dos dedos. Pois é, houve uma época em que roíamos unhas... Agora, nesta quase antropofagia, rumamos a uma psicologia qualquer, entediante pela quadratização de seu saber, instigante pela sua natureza. A mão, por vezes, repousa sobre o banco e eu há muito tento inventar uma utilidade para minhas mãos. Abraço meus próprios braços, estalo os dedos, alongo as articulações... Eu te olho, mesmo sem periféricas visões. Abaixa o vidro, o vento sopra meus cabelos, fecho os olhos, distancio-me do mundo, sinto forte a presença ao lado. Os nervos tomam de assalto as suas mãos. Do banco à boca, da boca ao mundo... O vidro, o cimento, o asfalto, as faixas passando ligeiras, o interromper do trânsito... São minhas mãos que pousam sobre o banco. As mesmas que sentem um impulso incontrolável de acalmar as tuas. Sua voz, seu rosto contra a luz, a noite, o asfalto, os caminhões que passam pela outra pista, as palavras distantes, dedos mordiscados, lábios, olhos, ausência, sonho acordado, despertar de uma visão periférica. Cessa o movimento da caixa de metal que nos transporta, silencia o motor, abrem-se as portas, esbarra em mim... Não deveria pedir desculpas. A pele é quente, ainda que o toque seja breve. Em movimentos circulares o vidro se fecha. No corredor branco, sigo você. Adentramos à sala, já não somos tão próximos. Ainda assim tenho à minha frente a sua visão. Meço movimentos. Desculpe-me por ainda mirar suas mãos depois de tanto tempo, mas elas continuam inquietas. Éramos três homens e uma mulher povoando a mesma caixa metálica em movimento, somos mais que uma dezena entre as paredes brancas. A voz, entre o tédio, a confusão e o atropelo de palavras, ecoa ao longe. Tão longe, que nem o desenho na carteira de um José ao lado, pode trazer de volta este pensamento que viaja na cor da camiseta e no nervoso movimento dos dedos. Os lábios precipitam-se numa piada ocasional. Ainda tenho ganas de aquietar suas mãos. Mas, nada faço além de olhar. Não é nada tão platônico assim. Acredite. São só vontades de desvendar aquilo que em ti, nem tu pudeste ver. E eu me lembro da última noite, em que o copo na tua mão denunciava o teu olhar a alguns metros do meu vestido. E tantas vezes te olhei naquele dia e tantas vezes encontrei os mesmos olhos de esfinge, de menino perdido, de homem ausente em meio à multidão... E tantas vezes te quis tão perto quanto o vestido, trocar o copo frio da tua mão pela minha mão que se aquecera neste dia, como em poucos o fizera. Derrama-se a chuva, turbulenta sensação de que verões são mesmo inconstantes... A mente te lembra, longe, longe, ainda que ali do lado... Longe até de si mesmo. Um pouco personagem de seriado, um pouco tão humano quanto eu, um pouco parecido com todo mundo, mas, diferente... Somos nós que retornamos às 22:00 horas, entre chuviscos, à caixa de metal. Nós que sentamos lado a lado e agora conversamos. Eu que te olho além dos olhos, mas você não vê. Nós que falamos a mesma língua, enquanto os outros dois homens são o silêncio nos bancos da frente. Somos nós... Mas, não há nós. Ainda assim, uma confiança estranha me diz que você entende, mesmo que não possa responder minhas perguntas. E se eu te peço: "Foge comigo?", não é porque tenho ganas de tomar-te os lábios, mas porque tenho vontade de acalmar tuas mãos, de te deitar no colo e ouvir teu silêncio, mesmo que tu nunca entendas tudo o que ele me diz, mesmo que a interrogação dos teus olhos nunca entenda porque cismo em me perder nestes momentos que parecem tão normais quanto quaisquer três, quatro linhas que eu escreva sem maiores intenções... Querer acolher teu abraço é dar um pouco daquilo que eu já quis, talvez... Mas, se te olho ainda tão menino e ao mesmo tempo tão homem e ainda assim tão adolescente, tentando entender o mundo, alheio a todo o despejar de palavras inúteis... É simples. Eu calo quaisquer palavras que fujam às minhas mãos ou mesmo à minha mente e se meus lábios ousam pronunciar qualquer ideia, ela escorrega tola e sem sentido, porque o ato de ouvir o teu silêncio é maior do que todas as asneiras mau coordenadas que os lábios possam deixar escapar nesses momentos. Sem ambições maiores, futuros previsíveis, sonhos intangíveis uma troca da minha fuga pelas tuas mãos inquietas poderia ser justa? Guardo em linhas escondidas, as reticências de um "quem sabe" ou de um "talvez".

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